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Por Renata Mariz

A advocacia, tal qual a sociedade, é dinâmica, sujeita a modificações constantes, radicais e céleres. As mutações normalmente refletem transformações ocorridas na própria sociedade.

Os advogados não podem desconhecer as mudanças operadas na sociedade e na própria profissão, sob pena de perder a sua própria identidade e não mais cumprir o seu papel institucional e político-social de maneira adequada com os anseios e com as aspirações da sociedade no momento atual.

As rápidas evoluções sociais, por vezes repentinas mutações, impulsionadas por uma dinâmica indomável, atingem a profissão, alterando-lhe características e valores que lhe dão suporte e, ciclicamente, geram crises que conseguem abalar a sua própria identidade.

Atualmente nós, advogados, estamos atravessando uma das mais angustiantes crises da nossa história. Crise de credibilidade, respeitabilidade e desvalorização profissional. Não há como negar que o nosso papel institucional, como indispensáveis à administração da Justiça, não é identificado pela sociedade atual, que de nós tem conceitos distorcidos e nada lisonjeiros.

Na ocasião da inserção constitucional da advocacia houve um esforço vigoroso por parte dos advogados comprometidos com a valorização da nossa ocupação, no sentido de repensar os nossos papéis profissionais e institucional, dentro de um contexto sóciopolítico marcado pelo recém ingresso do país na democracia, após vinte anos de obscurantismo.

Na época, advogados desejaram — como advogados e como cidadãos — promover a transposição para o presente das glórias do passado, que adaptadas às condições vigentes, refletiria na construção de um futuro propício a recolocar a advocacia nos patamares de importância e imprescindibilidade que ocupou na sua história.

Já naquela oportunidade se abatia grave crise de respeitabilidade, a ponto de termos a nossa presença na relação processual contestada e considerada dispensável.

Algum fenômeno não detectado com clareza quanto às suas origens, forma e objetivos atingiu a advocacia. De maneira subliminar, nebulosa, de difícil percepção, estava em curso um pensamento consistente na dispensabilidade do advogado.

Embora situados no topo da pirâmide do ordenamento jurídico, as normas infraconstitucionais e posições ideológicas continuariam na escalada desrespeitosa à advocacia e nociva à cidadania, de desvalorização da profissão.

Não se deve deixar de ter presente que sempre houve uma incompatibilidade da advocacia com o autoritarismo. Uma característica do advogado é a aversão que temos pelo autoritarismo. Temos ampla disposição para a oposição, para o contraditório, para a divergência. Somos talhados para o exercício da democracia. Outra não é a razão pela qual lutamos pela liberdade.

Nós advogados não assumimos posições maniqueístas. Por lidarmos com o homem e termos plena consciência da fragilidade da condição humana, com as suas misérias e as suas grandezas, jamais adotamos em face de situações conflituosas uma posição de detentores da verdade. Temos plena ciência da inexistência do absoluto, do único, do exclusivo.

O próprio exercício da advocacia nos mostra que a verdade pode ser aquela apresentada com a petição inicial. A contestação pode operar modificações, igualmente a instrução processual a altera, a sentença a declara, mas provisoriamente, e ela só surge e se consolida de forma definitiva com o trânsito em julgado.

A visão complacente e compreensiva do homem é outra característica marcante do advogado. Sabemos, de um lado, sem posições extremadas, aceitar as contingências postas pela vida e pela própria condição humana. De outro lado, a nossa independência, privilégio fundamental da profissão, nos torna livres, quanto possível, de influências externas de qualquer natureza, presos que estamos unicamente à nossa consciência.

O nosso compromisso é exatamente com a nossa consciência, com a missão sagrada de postular em nome de terceiros e de cumprir os preceitos éticos. Esse compromisso está ligado aos anseios da justiça e nos impulsiona a pugnar pelos direitos que nos são dados a defender. Neste momento nada nos cerceia, nada nos vincula, nada nos atemoriza. Afastada a independência, e a coragem de levar aquele conflito às consequências derradeiras, deve o advogado afastar-se da causa.

Lutar pelo direito, reprovar a injustiça, ser rebelde, inconformado, incômodo são nossas características imutáveis e inegociáveis. É a nossa vocação e dela nos orgulhamos muito.

Fonte: Jota